A introdução de peixes ornamentais exóticos em habitats naturais ameaçam a fauna e flora!
O que são espécies nativas?
Em ambientes naturais, os organismos ocupam diferentes habitats e microhábitats de acordo com seus modos de vida. Porém, suas distribuições são limitadas pela ação de diferentes fatores, que podem ser a temperatura, a umidade, a luminosidade, o potencial hidrogeniônico (pH), e até mesmo uma cachoeira, por atuar como barreira física e assim limitar a dispersão das espécies. Deste modo, ao longo do tempo evolutivo, elas ficaram restritas a algumas áreas, de onde são originárias (nativas).
Transporte de animais exóticos
Contudo, desde seu surgimento no continente africano, o homem começou a transportar consigo plantas e animais de diversas origens para regiões distantes do planeta, seja para cultivo, consumo, lazer e outras finalidades. Atualmente, o transporte de espécies originárias de qualquer local está cada vez mais frequentes devido à facilidade na mobilidade humana e no comércio eletrônico.
O transporte desordenado, a fiscalização precária das espécies, e consequente soltura no ambiente, podem colocar em risco milhares de anos de processos evolutivos e comprometer toda a biodiversidade dos ecossistemas aquáticos e terrestres. Recentemente, foi proposto um projeto que pretendia importar leopardos, leões, chitas e outros animais da savana africana para o Parque Estadual do Jalapão (TO) para aumentar o potencial turístico da região. Além dos impactos causados pelos próprios animais, juntamente com eles viriam inúmeros agentes patogênicos. Mas felizmente esta ideia não se desenvolveu e a diversidade do Cerrado foi salva. Contudo, apenas o surgimento desta ideia nos mostra a falta de informação pública sobre a introdução de espécies fora de seu local nativo e das consequências desastrosas que tal ação pode causar.
Peixes invasores
Além das consequências ecológicas negativas, as introduções também podem gerar impactos econômicos. A carpa asiática (Hypophthalmichthys nobilis(, por exemplo, foi introduzida nos EUA há mais de 30 anos para controlar o acúmulo de algas em usinas de tratamento de esgoto. Porém, esta espécie que pode atingir quase 1,50 m escapou e invadiu o rio Mississipi, promovendo o desaparecimento de espécies locais. Para restringir esta espécie apenas no referido rio e impedir que chegue à região dos Grandes Lagos, os Estados Unidos podem chegar a gastar até US$ 18 bilhões.
Nativo da bacia Amazônica, o tucunaré (Cichla sp.) é um peixe muito apreciado na pesca esportiva em todo Brasil, e também vem ganhando a atenção de aquaristas adeptos da modalidade Jumbo. O gênero Cichla compreende 15 espécies conhecidas pela ciência (Kullander & Ferreira, 2006) e algumas foram introduzidas em diferentes bacias hidrográficas do Brasil. Este é um peixe piscívoro e voraz, capaz de destruir toda a biodiversidade do local onde é introduzido, fato este comprovado com o tucunaré-amarelo Cichla kelberi no rio Paranapanema, bacia do alto rio Paraná (figura 1), onde foi introduzido clandestinamente para pesca.
Além do tucunaré, no aquarismo Jumbo são apreciados outros peixes de grande porte, como aruanãs, pirarucus, pirararas, raias (nativos de diferentes bacias brasileiras), e até mesmo o Peixe-jacaré (Atractosteus spatula), originário dos EUA e México. Estes grandes predadores evoluíram em ecossistemas diferentes daqueles encontrados em outras partes do planeta, e caso tais gigantes cheguem aos ambientes naturais, poderão se estabelecer e se tornarem invasores por encontrarem alimento abundante e não terem agentes naturais que controlem suas populações. Sendo assim, seus impactos serão graves e afetarão diretamente a biodiversidade do local de introdução.
Algumas espécies invasoras (passe as imagens através do touch no celular)
Porém, as espécies utilizadas na referida modalidade são mais caras e menos populares. Assim, os peixes ornamentais exóticos mais comumente soltos por aquaristas e piscitultores são os mais populares e comercializados. Dentre eles estão os kinguios (Carassius auratus), carpas (Cyprinus carpio), paulistinhas (Danio rerio), barbos (Puntius conchonius), cascudos (Pterygoplichthys spp.) guppies e molinésias (Poecilia spp.), espadinhas e platis (Xiphophorus spp.), apaiaris (Astronotus crassipinnis), acarás (Geophagus proximus), betas (Betta splendens), colisas (Trichogaster lalius) e tricogasters (Trichogaster leerii).
Introdução de peixes no habitat
Nos Estados Unidos, a soltura por aquaristas é a segunda maior causa de introdução de peixes, sendo a situação mais grave no Estado da Flórida. No Brasil, a maioria das invasões de peixes ocorre devido a escapes de estações de piscicultura, como no caso das tilápias africanas (Oreochromis niloticus e Tilapia rendalli) e do bagre africano (Clarias gariepinus). Em 2015 relatamos a soltura de 1750 Carpas capim no rio Iguaçu.
Os relatos de solturas por aquaristas ainda são raros, mas ainda assim, já foram detectadas onze espécies ornamentais apenas para a bacia do alto rio Paraná, nativas de outras bacias brasileiras e estrangeiras. A situação mostra-se mais grave na bacia do rio Paraíba do Sul (MG), onde já foram detectadas mais de 40 espécies ornamentais não nativas. Estas espécies chegam aos corpos d’água naturais por escapes de tanques (pela falta de cuidado no manejo), pelo transbordamento em períodos chuvosos, além da soltura por aquaristas.
Ecossistemas marinhos também estão sujeitos a serem invadidos. Um dos exemplos mais graves é o caso do peixe-leão vermelho (Pterois volitans), nativo dos oceanos Índico e Pacífico, e cujo primeiro registro no oceano Atlântico ocorreu no Sul da Flórida em 1985. A partir dali, se dispersou pela costa leste dos EUA, Ilhas Bermudas, Bahamas, Caribe e já se encontra na Colômbia e Venezuela.
Em seu habitat natural, o peixe-leão apresenta abundância recorde de 80 indivíduos por hectare, enquanto que no Caribe algumas regiões apresentam populações de até 450 indivíduos. Tal fato se deve à alta fertilidade da espécie, que se reproduz logo no primeiro ano de vida, e a ausência de predadores naturais no local invadido. Possui um cardápio variado de crustáceos e peixes, que promove reduções na abundância e diversidade nativa.
As chances desta espécie chegar ao litoral brasileiro são grandes. Talvez a foz do rio Amazonas possa atrasar a dispersão devido ao fluxo de água doce e sedimentos trazidos pelo rio. Porém, a detecção da espécie em ambientes de água salobra pode indicar que a mesma consiga transpor a barreira sem dificuldades. Além disso, recentemente foi detectado um indivíduo da espécie em Arraial do Cabo (RJ), após sua possível liberação de aquário. Estes casos ocorrem após os peixes atingirem grandes proporções para os tanques onde são criados.
Cuidados
Antes de adquirir seus exemplares, o aquarista deve ter alguns cuidados:
- Deve-se levar em consideração principalmente o tamanho atingido pelo peixe;
- Procurar conhecer a biologia da espécie que deseja criar em seu aquário;
- Se apresenta comportamento agressivo;
- A manutenção adequada de cada peixe;
- Compatibilidade entre os peixes;
- A legalidade do animal.
Soluções
A manutenção adequada de aquários exige conhecimento das espécies criadas e cuidados básicos para manter em equilíbrio todo o sistema. Porém, caso o criador não deseja mais manter seu animal, recomenda-se a doação para outros aquaristas, lojas de aquários, escolas ou universidades. Anunciar a doação em grupos de aquarismo em redes sociais também é uma alternativa que deve ser incentivada.
Folder informativo
Registros de ocorrências de peixes ornamentais exóticos em ambientes naturais são necessários para que sejam criadas medidas e ações que visem à conservação das faunas nativas. A medida mais viável para cessar as introduções é a conscientização pública sobre os riscos causados pelas invasões biológicas. Para isto, foi elaborado para download o folder informativo sobre peixes introduzidos em habitat natural. Tal ação deve ser incentivada para outras bacias brasileiras e para outros grupos de organismos, uma vez que plantas e invertebrados também podem ser introduzidos pelo aquarismo e se tornarem invasores.
As introduções de espécies são a segunda maior causa de perda de biodiversidade, estando atrás apenas da destruição direta de habitats. O Brasil é líder dos 17 países mais mega diversos do mundo, que juntos abrigam cerca de 70% das espécies animais e vegetais. Com relação aos peixes de água doce, são reconhecidas pela ciência cerca de 100 novas espécies a cada ano, nos apresentando praticamente uma espécie nova a cada três dias. Não se deve permitir que peixes de outras águas ameacem a biodiversidade nativa de nossas bacias hidrográficas. Ainda existem muitas espécies e interações ecológicas que merecem ser conhecidas. E como disse o astrônomo americano Carl Sagan, “em algum lugar, algo incrível está esperando para ser conhecido”.
Co-autor: Marcelo Hideki Shigaki Yabu – Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas, Laboratório de Ecologia de Peixes e Invasões Biológicas – LEPIB, Universidade Estadual de Londrina – UEL, Londrina, PR, Brasil
Referências
– Duggan, I. C., C. A. M. Rixon & H. J. Macisaac. 2006. Popularity and propagule pressure: determinants of introduction and establishment of aquarium fish. Biological Invasions, 8: 377-382
– Fuller, P. L., L. G. Nico & J. D. Williams. 1999. Nonindigenous fishes introduced into inland waters of the United States. Bethesda, American Fisheries Society
– Kullander, S. O. & E. J. G. Ferreira. 2006. A review of the South American cichlid genus Cichla, with descriptions of nine new species (Teleostei: Cichlidae). Ichthyological Exploration of Freshwaters, 17: 289-398
– Magalhães, A. L. B. 2007. Novos registros de peixes exóticos para o Estado de Minas Gerais, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia, 24: 250-252
– Pelicice, F. M. & A. A. Agostinho. 2009. Fish fauna destruction after the introduction of a non-native predator (Cichla kelberi) in a Neotropical reservoir. Biological Invasions, 11: 1789-1801.