Apontada como uma das maiores ameaças aos ecossistemas costeiros do Brasil, a bioinvasão pelo coral-sol, que começou pela Baía da Ilha Grande e já teria se espalhado por todo o litoral fluminense, será discutida numa audiência pública, convocada por três procuradores da República, nesta segunda-feira, no Rio. Segundo investigação preliminar do Ministério Público Federal, o coral-sol, conhecido como coral assassino e que expulsa espécies nativas, entrou acidentalmente no Brasil através de plataformas de petróleo e gás encomendadas pela Petrobras, que passaram pelo Estaleiro Brasfels, em Angra dos Reis. Ainda de acordo com o MPF, a costa de Angra, Paraty, Mangaratiba, Rio, Arraial do Cabo e Búzios já estaria contaminada.
O sinal de alerta no MPF foi dado em 2012 por Monique Cheker, procuradora da República de Angra, durante uma visita à Estação Ecológica de Tamoios. A região da Baía da Ilha Grande é a mais afetada porque a temperatura da água é mais elevada, principalmente nas proximidades das usinas nucleares, o que facilitaria a proliferação da espécie. Foi instaurado um inquérito civil público que levou à identificação de alguns locais da costa de Angra já contaminados: os terminais da Petrobras, da Brasfels e da Vale.
Danos incluem redução do número de peixes em áreas afetadas.
A audiência pública desta segunda-feira foi convocada por Monique Cheker e pelos procuradores Douglas Araújo e Maurício Ribeiro Manso, do Rio e de São Pedro da Aldeia. A procuradora afirmou que os objetivos da audiência pública são, de forma imediata, informar a sociedade civil sobre o problema e convidar todos que tenham informações úteis para a investigação dos inquéritos instaurados pelo MPF em Angra, no Rio e na Região dos Lagos.
O coral-sol, segundo especialistas ouvidos pelo MPF, provoca a perda da biodiversidade e a fragilização dos recursos pesqueiros, além de outros impactos sociais e ambientais.
Para a audiência pública, foram convocados Petrobras, Ibama, ICMBio, Inea, Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira, Estaleiro Brasfels, Vale, Uerj e Consórcio Projeto Coral-Sol.
— Através dos inquéritos, vamos identificar causas e responsáveis e, ao fim, compensar e paralisar o dano ambiental — disse a procuradora.
O biólogo marinho Vinicius Padula, doutorando da Universidade de Munique, na Alemanha, disse que a bioinvasão é grave. Segundo ele, na Ilha Grande, o coral já cobriu boa parte do fundo do mar e ocupou o espaço das espécies nativas:
— A audiência pública é um avanço no combate a esse problema.
Um dos integrantes do Grupo de Estudos de Mamíferos Marinhos da Região dos Lagos, o biólogo Salvatore Siciliano disse que o coral-sol é originário das Ilhas Galápagos. Os primeiros foram identificados há dez anos na Baía da Ilha Grande, mas os corais assassinos, segundo ele, já se dispersaram por boa parte do Sudeste.
— A invasão pode provocar danos às espécies locais, que passam a competir por espaço e alimento. Essa espécie pegou carona nos cascos de navios e plataformas de petróleo, e o aumento do fluxo de navios só facilita essa dispersão.
A audiência pública será das 13h às 18h30m, no auditório da Procuradoria da República no Rio de Janeiro, na Avenida Nilo Peçanha 31, no Centro. A participação será limitada à capacidade do auditório.
SOBRE: O coral-sol é uma espécie de coral que pertence ao gênero Tubastraea que pode ser encontrado nas águas de Timor-Leste carece de fontes. Espalha-se por profundidades que vão de 50 centímetros a 15 metros. No Brasil, tais corais constituem uma ameaça, pois eles são agressivos a espécies nativas de corais, como o coral-cérebro (Diploria labyrinthiformis), uma espécie que só existe no Brasil.
O coral-sol se tornou uma verdadeira praga na Baía de Ilha Grande, Rio de Janeiro, onde se espalhou de uma maneira que não pode mais ser controlada. Essa espécie é muito agressiva e eficiente na reprodução, o que acabando eliminando, através da competição, as espécies nativas, causando um grande desequilíbrio.
DEPOIMENTO:
“Se você gosta de mergulhar e mora no sudeste, provavelmente você já esteve em Ilha Grande (RJ). Até umas semanas atrás, não era meu caso, mas decidi que já era hora de corrigir esse erro imperdoável e lá fui eu.
Saí com um barco até o local de mergulho. O tempo estava ótimo, não chovia fazia algum tempo e o mar estava uma piscina, o que ajudou a ver direito a incrível fauna marinha. Além dos inevitáveis sargentinhos – um peixe nada tímido e bem comum por aqui, com listras verticais – vi moreias, tartarugas, peixes-borboleta e muitos corais.
E, entre esses corais coloridos, um parecia onipresente. Geralmente amarelo, o coral-sol (do gênero Tubastraea) forma colônias circulares com uns 15 cm ou mais de diâmetro, com pólipos filamentosos que só se abrem na escuridão. Como na foto aí em cima.
São lindos, e eu quis saber mais a respeito deles. Qual não foi minha surpresa quando descobri, com o biólogo dono do barco, que esse ser vivo na verdade é uma praga que está rapidamente se espalhando pelos melhores locais de mergulho do sudeste, especialmente Ilha Grande.
Ele me contou que o coral-sol, natural do Indo-Pacífico, surgiu na região há alguns anos trazido pelos navios vindos de oceanos distantes. Durante a navegação, o navio carrega dentro de si litros e litros de água que servem para estabilizá-lo em determinadas condições – a chamada água de lastro. Dentro dessa água, coletada às vezes a milhares de quilômetros do Brasil, também são transportados espécies locais. Ao soltar a água no litoral brasileiro, essas espécies encontraram uma nova fronteira para proliferarem – e muito. Há outras hipóteses para o surgimento desse “estrangeiro”, que começou a ser registrado no litoral brasileiro na década de 80. Biólogos acreditam que eles podem ter vindo parar aqui ao se fixarem no casco de navios, por exemplo.
O coral-sol, que se reproduz bem rápido, compete diretamente com espécies nativas de coral, entre elas o coral-cérebro (Mussismilia hispida), que só existe na costa brasileira. O dono do barco disse que há projetos para remover eles manualmente, em mutirões. Há, por exemplo, uma iniciativa interessante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ainda assim, meu amigo disse que, como morador de Ilha Grande, acha que esses projetos ainda são muito tímidos. Terminamos a conversa com eu falando a ele que tinha um aquário de água salgada em São Paulo e ele me incentivando a arrancar uns corais-sol para levar para casa. Daria muito trabalho e desisti.
De volta à capital paulista, fiquei pensando na sugestão do biólogo e fui à minha loja de aquários favorita procurar um coral-sol para comprar. Encontrei. Mas aí, desisti de levar, absolutamente inconformado com o preço: R$ 75 por uma mudinha pequena, US$ 380 por uma grande. Aquarismo marinho é um hobby bem caro, mas cobrar isso por uma praga me pareceu uma piada. Aí o vendedor explicou: “Esses aí não são nacionais. O Ibama proíbe a venda de corais nacionais. Esses são importados.”
Por incrível que pareça, até hoje o não tem uma lista nacional de espécies exóticas e invasoras. Alguns Estados, como Rio de Janeiro e São Paulo, já produziram suas relações. No seu site, o Ministério do Meio Ambiente admite que “as informações relacionadas a este tema são, ainda, incipientes”, mas anunciou o início de um “amplo e efetivo programa voltado às espécies exóticas invasoras”. Depois, em uma conversa por telefone com um representante do Ministério, descobri que um diagnóstico nacional de espécies invasoras está para ser publicado nos próximos meses.
A importância de se ter esse diagnóstico é clara: em muitos casos as pessoas nem sabem que uma espécie é invasora e pode ser na verdade uma ameaça. Aliás, muitas pessoas, pensando na preservação do meio ambiente, defendem com unhas e dentes que as pessoas não pesquem, não caçem, não coletem nem vendam espécies que encontram na natureza. Mas veja o caso do coral-sol. Saber quais espécies são “alienígenas” também permite a formulação de estratégias para evitar que proliferem.
Cientistas dizem que o mundo perdeu 19% de seus recifes de coral desde 1950 e outros 15% estão seriamente ameaçados de desaparecer nas próximas duas décadas. Neste ano, pela primeira vez, o relatório Status dos Recifes de Mundo, da Rede Mundial de Monitoramento de recifes de Coral, dedicou ao Brasil um capítulo especial. O documento destaca como os corais brasileiros estão em perigo devido à poluição, a sedimentos e doenças. Com o coral-sol, e outras espécies invasoras, esse perigo à rica fauna marinha brasileira está cada vez maior.”